Na década de 90 a maioria das
viagens que fazia ao nordeste, saindo do sudeste, era feita por ônibus, como a
grande maioria dos migrantes nordestinos que voltavam pra sua terra natal a
passeio ou pra ficar. Nesse tempo, viajar de avião era coisa pra rico. O
percurso de Santos, São Paulo até Areia Branca no Rio Grande do Norte era longo
e cansativo. Quase três mil quilômetros de estrada e a viagem levavam três dias
e duas noites. Parecia que nunca ia chegar. A vinda era cheia de alegria e expectativas
de revê a sua gente e sua terra, mas a volta era melancólica e triste, cheia de
saudades dos dias de alegria que havia passado junto a tantas pessoas e lugares
que amava. O ônibus da vinda sempre que parava nos pequenos postos rodoviários
de cidadezinhas do interior do nordeste, era subitamente rodeado de crianças,
homens, mulheres e até velhos que vinha vender suas cocadas, picolés, milho
assado, biscoitos e muitas outras coisas. Muitas dessas crianças e jovens,
sabendo que se tratava de passageiros provenientes de São Paulo, se punham a
pedir uma moedinha de real para ajudar a comprar comida para si e suas
famílias.
Na última década as coisas
mudaram muito e houve maior distribuição de renda entre os mais pobres,
especialmente no nordeste. Já não é tão comum encontrar essas pessoas vendendo "coisas" e pedindo uma “pratinha” nas paradas. O migrante nordestino passou a
viajar mais de avião e menos de ônibus. Hoje
somos abordados o tempo todo por adolescentes e jovens pedindo dinheiro, mas
não mais pra comprar comida e sim drogas, especialmente o crack. Essa é a atual
realidade infelizmente de minha cidade Areia Branca no Rio Grande do Norte bem
como de muitas espalhadas por todo o Brasil. O crack rompeu fronteiras e hoje é
a droga do caos social nas grandes, médias e pequenas cidades brasileiras.
O drama dos viciados e suas
famílias nas pequenas cidades, como Areia Branca, tem mais um elemento
perverso, a falta de estrutura pública e familiar para prevenir, tratar e
combater esse mal. Essas cidades se tornaram reféns do crack e pedem socorro.
Ao testemunhar tantos dramas de
viciados e suas famílias, resolvi sair a campo e pegar alguns testemunhos e fotos de
jovens dependentes nas ruas de Areia Branca que passo a transcrever abaixo, preservando
as suas identidades.
E.P.S. tem 35 anos de idade,
soldador de profissão, já foi casado e tem cinco filhos. Oriundo de família bem
conceituada na cidade, seu pai recebia pensão da lei de guerra e pode ter uma
vida de bom padrão financeiro. Aos 13 anos começou a ter contato com as
chamadas drogas lícitas, como cigarro e bebida alcoólica e aos 14 anos teve
contato com a maconha, loló e cola. O uso dessas substâncias ilícitas o levou a
experimentar aos 18 anos o crack.
Com a morte dos pais, ficou
morando na casa dos mesmos e casou-se. Do casamento teve dois filhos com a
esposa legítima. Os constantes problemas com uso da droga levou a separação do
casal e por causa de muitas dividas contraída, perdeu a casa onde morava. Hoje
mora num quarto alugado e pago por seus irmãos.
Diz que foi internado numa clinica
por sua família, mas devido à falta de estrutura da instituição e maus tratos,
abandonou o tratamento.
O mesmo relatou que certa vez foi
humilhado por um traficante ao tentar comprar crack com R$ 4,75 (quatro reais e
setenta e cinco centavos), e o mesmo negou e disse pra ele trazer os outros R$
0,25 (vinte cinco centavos) e que ele era trouxa. Pois o dinheiro da droga
servia pra ela comer bem, beber e sair com qualquer “rapariga” que quisesse,
além de andar de carro novo. Também diz que já foi espancado por causa do
vício.
E.P.S. diz que os poderes públicos
de Areia Branca, como a prefeitura, tem que fazer alguma coisa para mudar essa
situação e pede a implantação de um programa eficiente de prevenção e
tratamento dos viciados, bem como, apoio e assistência as suas famílias.
F.S. tem 20 anos e desde os 14
anos faz uso de crack. Foi abandonado pela mãe ainda criança, juntamente com
seu irmão que veio a falecer num acidente de moto e passou a ser ciado pelo pai
e avós paternos. Seu pai é um alcoólatra e com a morte do avô, as coisas
ficaram bem piores. Seu pai se entregou de vez a cachaça e cometia maus tratos
a sua avó, que foi internada na casa do ancião pra preservar a sua integridade
física. Coma internação da mesma, que mantinha a casa com sua aposentadoria,
ambos, pai e filho, ficaram na rua da amargura. Pra continuar a usar a droga,
passou a ceder a casa para outros viciados fumarem e assim ganhava algum resto
da “pedra”. Em pouco tempo, a sua casa passou a ser um ponto de usuários de
crack e as poucas coisas que sua avó havia deixado na casa, se acabaram ou
foram vendidos. Hoje, ele diz que a casa nem portas e janelas tem mais. Largou
os estudos muito cedo e até mesmo a aula de capoeira que fazia no Centro
Juvenil da cidade abandonou por causa do vício. Vive perambulando pelas suas da
cidade com os pés descalços e roupas sujas, pedindo dinheiro e se prostituindo para
usar drogas e comer alguma coisa.
O jovem F.S. disse que se tivesse
uma oportunidade pra se internar e se tratar, não pensaria duas vezes e
aceitaria, pois não aguenta mais essa “vida”. Pede ajuda aos poderes públicos.
Poderia ficar aqui escrevendo
centenas de depoimentos de usuários de crack em nossa cidade, pois hoje Areia
Branca vive uma epidemia da droga e não vemos nada ser feito para atenuar esse
drama social. Buscando tampar o sol com a peneira, se atribui a falta de
policiamento, os altos índices de violência urbana que vem assolando a cidade
nos últimos meses, contudo, estudos recentes da ONU dizem que politicas sócias reduzem
em muito esse problema. Essa violência que assistimos atônicos e perplexos tem a sua origem nas drogas e esta por sua vez, na omissão do poder público e sociedade. Tráfico de drogas é caso de polícia, mas a prevenção e
tratamento dos dependentes químicos e ajuda as suas famílias, é caso de
política social. Seria leviano e parcial se dissesse que este é apenas um problema de Areia Branca,
pois infelizmente não é. É um drama nacional, mas por aqui existe um fator que potencializa
isso, ou seja, a falta de políticas públicas como: emprego
e renda, educação de qualidade, qualificação profissional, lazer, esporte e
cultura, deixando a maioria das crianças e jovens ociosos e mais vulneráveis
aos efeitos terríveis das drogas.
A batalha contra as drogas
através da prevenção e tratamento dos dependentes químicos não é fácil, mas é
possível vencermos essa guerra se todos nós, cidadãos e cidadãs
areia-branquenses derem as mãos e juntos, poderes públicos e sociedade civil
organizada buscarem as soluções através de uma ampla conferência municipal,
envolvendo toda a população e as autoridades competentes.
Bom dia Aldo, Realmente a matéria escrita por você é muito forte e real! Quero parabenizar o amigo pelo blog, muito bom mesmo, eu gostaria de sugerir ao amigo que mudasse a fonte, pois encontramos dificuldade de lê com esta fonte que você usa atualmente. Sem mais para o momento desejo ao nobre amigo uma feliz páscoa. Um grande abraço.
ResponderExcluirTONY ALBINO
Natal RN
Obrigado caro amigo Tony Albino por seu comentário e observação. Estarei fazendo a correção sugerida. Inclusive já a fiz na última matéria com Dona Francisca, candidata do PT na Serra do Mel. Forte abraço e feliz pascoa atrasado.
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