O cientista político e
jornalista Maurício Santoro estava em Istambul, numa viagem de pesquisa sobre
as manifestações naquele país, quando os protestos de junho estouraram no
Brasil. Foi uma coincidência e tanto. Ele e Bruno Borges, cientista político e
especialista em relações internacionais, estavam justamente conversando sobre a
possibilidade de organizar um curso sobre as tensões nos sistemas políticos dos
Estados Unidos e da Europa, em função da crise econômica. A isso se somava uma
agenda de viagens a trabalho à Turquia, Índia e países latino-americanos, onde
também aconteciam manifestações, mesmo sem crises na economia.
“Fomos atropelados pelos
acontecimentos”, diz Santoro, em referência à eclosão dos protestos no Brasil.
Para os dois cientistas políticos, trata-se de um momento extremamente fértil,
que os levou a montar um curso a ser ministrado em novembro na Casa do Saber,
no Rio, com o sugestivo nome de “O Mal Estar na Democracia”.
Como resume Santoro, “estamos
diante de uma situação de descontentamento com as instituições, de mal-estar na
democracia, que afeta tanto os países ricos quando nações de renda média”.
Borges acrescenta que “esta
crise da representação não é uma exclusividade brasileira”. Para ele, as causas
e o contexto variam, mas é possível dizer que se trata de um problema global,
disseminado em diferentes países e regiões do mundo.
Nos Estados Unidos, por
exemplo, a forte polarização entre dois partidos exclui quem não se adapta à
linha de nenhum dos dois, enquanto que, na União Europeia, o projeto
supranacional de união econômica e política é uma agenda acima dos Estados
nacionais, à qual os eleitores têm dificuldade de se contrapor. Quando chegam
ao poder, políticos de diferentes partidos, mesmo que tenham feito promessas em
sentido contrário, são obrigados a se curvar à agenda da união.
Para Borges, essa obstrução
dos canais de representação na Europa, especialmente nos países periféricos do
euro, em crise, cria um “caldo supurado” que infesta a política local, com a
emergência de grupos violentos e radicais, muitas vezes com características
xenófobas e fascistas.
Mas um dos temas mais
interessantes dos dois cientistas políticos é a ascensão, em vários países
emergentes importantes, de uma nova geração política. “É um grupo que tem hoje
por volta de 20 anos, e é chamado pelos sul-africanos de ‘born-free generation’
(geração nascida livre)”, explica Santoro.
Sem excessivas
esquematizações, é possível traçar um paralelo sobre esse novo ator político no
Brasil, na Turquia, na África do Sul e na Índia.
“Em muitos casos, é primeira
geração nascida e criada na democracia, e tem mais acesso à informação, mais
instrução formal e, com frequência, uma renda mais elevada do que a dos pais”,
diz Santoro. É uma geração que não viveu a experiência da repressão do Estado,
mesmo na Índia, que nunca foi ditadura, mas teve os períodos de emergência de
Indira Gandhi.
Um dos maiores diferenciais
dessa nova geração é o acesso à informação. Santoro nota que, na Turquia e na
Índia, só havia um canal de TV até os anos 80, e controlado pelo Estado. Ele
acrescenta que as demandas da nova geração variam muito de país para país, mas
têm em comum o fato de conter expectativas muito mais elevadas do que a dos
seus pais.
Outra questão interessante a
ser abordada pelos pesquisadores é a ligação internacional entre os movimentos
de protesto, com formatos de manifestações sendo “exportados”, como o caso da
ocupação da praça Tahrir, no Egito.
Outra característica comum é
a forma muito pessoal de expressão dos manifestantes. Assim, proliferam os
cartazes individuais, carregados por uma pessoa, e com mensagens pessoais e
criativas, com a redução do espaço das grandes faixas levadas por grandes
grupos de manifestantes. E, especialmente nos países emergentes, repete-se a
inadequação da reação policial aos protestos.
“O que acontece em um país
acaba estimulando e dando exemplo para jovens em outros países”, diz Santoro.
Borges, mestre em Relações
Internacionais pelo Instituto de Relações Internacionais (IRI) da PUC-Rio e PhD
em Ciência Política pela Universidade Duke, é professor do Departamento de
Ciências Sociais da PUC-Rio e coordenador pedagógico do Clio Internacional.
Santoro, doutor em Ciência
Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Estado do Rio de Janeiro
(Iuperj), é assessor de Política Externa e Direitos Humanos da Anistia
Internacional Brasil e autor do livro “Ditaduras Contemporâneas”.
Fernando Dantas é jornalista
do Broadcast. E-mail: fernando.dantas@estadao.com
Esta coluna foi
originalmente publicada pela AE-News/Broadcast
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Fonte: ESTADÃO.COM.BR
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