Marcello Casal Jr/Agência Brasil
As manifestações que se
espalharam pelo Brasil em junho e continuam acontecendo em vários pontos do
país têm vários focos e, em muitos casos, podem ser difíceis de serem
compreendidas. Apesar de muitos, inclusive políticos, terem se surpreendido com
os protestos e as consequências do "grito das ruas", o surgimento da
onda de manifestações não pode ser considerado uma surpresa. Esta é a opinião
de especialistas que, a pedido do UOL, escreveram artigos para esmiuçar melhor
as causas, principalmente as de caráter local e regional, dos protestos pelo
país. No total, foram dez intelectuais, de Estados diferentes, espalhados pelas
cinco regiões do Brasil, que apontaram as peculiaridades das passeatas em suas
cidades e arredores.
"As manifestações
ocorridas não foram um raio em céu azul nem vivíamos numa paz de
cemitério", escreve Jorge Almeida, professor da UFBA (Universidade Federal
da Bahia). "São diárias as pequenas e localizadas lutas do povo, com os
meios que dispõe para enfrentar tudo isto. Uma luta silenciosa, na maior parte
sem visibilidade."
Para Paulo Peres, da UFRGS
(Universidade Federal do Rio Grande do Sul), "quem acompanha as pesquisas
realizadas há anos sobre a avaliação dos brasileiros acerca das instituições
representativas, assim como o ativismo de diversas organizações societárias,
provavelmente não deve ter se surpreendido com esse levante popular mais
consistente, mas sim com o fato de ele ter demorado a acontecer".
MAPA DOS PROTESTOS
Segundo os especialistas,
compreender um movimento tão grande e fragmentado é um desafio. "Para os
nossos modelos de leitura da realidade fica mais fácil acusarmos os
manifestantes de não terem foco e de introduzirem o imponderável no cenário
político", escreve Pedro Célio Alves Borges, professor da UFG
(Universidade Federal de Goiás). "Pode ser, mas dizer assim mais
tergiversa do que explica, sem sair das preliminares nem avançar para
diagnósticos e compreensões necessárias."
Pedro Bodê, professor da
UFPR (Universidade Federal do Paraná), aponta que "qualquer análise feita
sobre um evento em andamento é sempre mais difícil do que de um fenômeno que
possamos por um motivo outro dizer que terminou".
Temas locais
Os artigos compilam temas
mais localizados dos protestos. No norte do Brasil, por exemplo, cidades
paraenses protestam por mais qualidade e
menor preço dos transportes fluviais, conta Roberto Ribeiro Corrêa, professor
da UFPA (Universidade Federal do Pará). No outro oposto do país, gaúchos
protestam a favor da CPI destinada a investigar a responsabilidade do poder
público no incêndio da boate Kiss.
Mote das primeiras
manifestações em São Paulo, o transporte público também aparece em outras
cidades --mas não só por tarifas mais baixas. Na Bahia, há um problema com o
metrô, superfaturado e há mais de dez anos em construção. Em Curitiba, segundo
o professor Bodê, "há muito tempo a precarização do transporte público se
faz sentir e as reclamações de usuários e dos trabalhadores nos transportes
públicos são inúmeras e cotidianas".
Em Belo Horizonte, relata o
professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) Fernando Filgueiras,
"há duas décadas já há uma movimentação pedindo melhorias no sistema de
transporte público". Também na região Sudeste, atos no Rio de Janeiro, uma
das sedes da Copa das Confederações deste ano e da Copa do Mundo em 2014, além
de palco dos Jogos Olímpicos de 2016, questionam gastos financeiros elevados na
realização destes enormes eventos, segundo a doutora Marly Motta (Fundação
Getúlio Vargas-Rio).
Além das questões urbanas
presentes em outros Estados, as manifestações do Maranhão abordam a questão
agrária --um terço da população maranhense mora no campo. Segundo o professor
Wagner Cabral da Costa, da UFMA (Universidade Federal do Maranhão), 30% dos trabalhadores
em situação análoga à escravidão resgatados país afora estavam no Estado.
Também no Nordeste, o doutor Thales Castro (Universidade Federal de Pernambuco)
aponta as principais reivindicações pernambucanas: "transportes públicos
deficitários e caros, mobilidade (ou imobilidade) urbana, exclusão social,
desigualdades perversas e recorrentes, violência urbana e práticas de corrupção
que se tornaram endêmicas".
Em São Paulo, conta o
professor José Carlos Gomes da Silva, da Unifesp, a periferia que antes pedia
questões imediatas como saneamento básico, postos de saúde e legalização de
terrenos clandestinos, agora trata de temas como racismo, violência e educação
precária.
No Centro-Oeste, Goiás
também apresenta um cardápio amplo de temas, segundo o professor Alves Borges:
"da forma do prefeito decidir sobre o lixão de uma cidade pequena ao
autoritarismo dos professores em um colégio; da necessidade de sinalizar melhor
uma estrada que passa dentro da cidade, para diminuir os acidentes com morte, à
agressão do governador aos professores, pois em retirara vantagens na carreira
e salários".
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