Mossoró
Por Luciana Araújo em 25/05/2013 às 13:04
Os casos de violência
envolvendo pessoas com idade inferior a 18 anos e a abordagem da grande mídia
sobre o assunto colocam, novamente, em evidência as discussões em torno das
propostas de redução da maioridade penal. A temática que divide opiniões,
embora nem sempre seja discutida em todos os seus aspectos, vai além da questão
da idade em que se deve iniciar a responsabilização penal de alguém que
infringe a lei. Ela passa por questões relacionadas ao investimento em
políticas públicas que contribuem para evitar o ingresso dos adolescentes no
mundo da violência e para ressocializá-los, quando esse ingresso ocorrer, e
ainda coloca em evidência atual situação do sistema penitenciário.
Caso a medida seja colocada em prática, infratores a partir dos 16 anos seriam submetidos a regime de prisão |
Para o responsável pela 10ª
Promotoria de Justiça de Mossoró, promotor Olegário Gurgel, existem vários
projetos para alterar a questão da maioridade penal, dentre eles, a proposta
que mais se sobressai é reduzir a idade penal dos 18 para os 16 anos. “E, nesta
hipótese, a gente vai ter um contingente de adolescentes que, eventualmente,
praticaram ou vierem a praticar um ato infracional, que passam a ser julgados
por um juízo criminal. Deixam de ser responsabilizados no âmbito do Estatuto da
Criança e do Adolescente para serem responsabilizados no âmbito do Código Penal
Brasileiro. Isso significa que, serão sancionados, não mais pela perspectiva da
socioeducação e sim pela perspectiva da retribuição, da pena. E esses
adolescentes vão se submeter a um regime de prisão que não tem uma vocação, nem
uma proposta, nem uma intenção de reintegrar, de forma ampla e integral essa
pessoa para a convivência social”, explica o promotor.
De acordo com Gurgel, a redução
da maioridade penal só pode ser feita através de uma reforma constitucional,
pois a maioridade penal não está no Estatuto da Criança e do Adolescente, que
data de 1990, e sim na Constituição Federal, que é de 1988. “Para mudar isso aí
eu devo mudar, na verdade, a Constituição. O Estatuto apenas regula um preceito
constitucional, que e o artigo 227 e 228 da Constituição Federal”, acrescenta.
Com relação à realidade de
outros países onde a idade em que o indivíduo pode responder penalmente pelos
seus atos é inferior à faixa etária nacional, o promotor considera que a
comparação é injusta, tendo em vista que se tratam de realidades e estruturas
do sistema diferentes. Ele compara, no entanto, a realidade dos dois sistemas
existentes no Brasil e considera que o sistema penal é muito mais ineficaz do
que o juvenil.
“Eu acho que essa discussão,
para ser legítima, ela deve se situar apenas no plano de vista político. O
Brasil tem que decidir, politicamente, o que ele quer. Eu tenho minha opinião,
sou contrário à redução da maioridade penal, por uma série de circunstâncias
que eu acompanho no dia a dia. Eu acho que o Brasil perde muito mais do que
ganha. Mesmo porque, o problema da violência não vai resolver em nada. Porém, a
questão política ela está em aberto. Eu desejo, eu enquanto comunidade
nacional, desejo submeter a pessoa a uma privação maior? A um sancionamento
maior do que hoje eu faço? Essa é a única questão que pode legitimar”, diz
Olegário Gurgel.
O delegado regional de
Mossoró, Denys Carvalho da Ponte, por sua vez, afirma que o que percebe é o
ingresso, cada vez mais cedo, de adolescentes no crime. Como exemplo, ele cita
o caso de uma criança de 11 anos envolvida em um assalto.
Segundo ele, a maioria dos
adolescentes é utilizada para o tráfico de drogas, roubo e furto, porque são
sabedores da legislação especial. O delegado comenta que, quando pega uma arma
em um crime com um menor de idade, ele assume por saber que não ficará preso.
Denys Carvalho da Ponte é
favorável à redução na faixa etária penal. “Com respeito à redução da
maioridade penal, eu sou a favor”, diz, argumentando que, se aos 16 anos o
adolescente tem o direito de votar e se cogita também o direito de que possa
dirigir, ele deve ser responsabilizado, já que existem menores de idade matando
e roubando.
Para Olegário Gurgel, no
entanto, o debate não gira apenas em torno de ter ou não consciência sobre os
fatos. “Se for por aí, eu acho que o garoto de dez anos já deveria ser
responsabilizado, porque ele já sabe o que é certo o que é errado, isso nasce
bem mais cedo”, argumenta.
O delegado afirma que a
resistência à mudança se deve ao fato de que os presídios nacionais já são
superlotados, o setor passa por uma crise gigantesca. Aliás, todos enfrentam
crises, mas, como comenta o delegado, no sistema prisional as dificuldades são
maiores. Além disso, o sistema prisional não conta com medidas no sentido de
promover a ressocialização. O objetivo do cárcere é tirar de circulação o
indivíduo que comete crimes.
A responsável pela Delegacia
Especializada no Atendimento ao Adolescente Infrator (DEA), Liana Aragão,
ressalta a explicação de Olegário Gurgel de que, para a redução da maioridade
penal acontecer seria necessária uma nova Constituição, pois, por se tratar de
uma cláusula pétrea, ou seja, que não pode ser alterada.
Ela defende um ponto de
vista diferente, que foge da redução ou não da maioridade penal. Para Liana
Aragão, o sistema que responsabiliza o menor e o próprio Estatuto da Criança e
do Adolescente deveriam ser mais rigorosos e as estruturas disponibilizadas
pelo Estado deveriam funcionar melhor. Para a delegada, os problemas
estruturais conferem ao adolescente a sensação de impunidade.
“Eu acho que o ECA pode ser
mais rigoroso”, afirma Liana Aragão.
Falta de estrutura adequada
prejudica ressocialização dos jovens
Embora Mossoró conte com todas as estruturas
indicadas pelo Sistema Nacional de Socioeducação (SINASE) para que os
adolescentes em conflito com a lei cumpram as medidas socioeducativas, os
problemas estruturais dificultam a realização dos trabalhos.
As políticas públicas e
programas socioeducativos previstos pelo Sinase incluem, desde medidas em meio
aberto ao meio fechado. Olegário Gurgel explica que o meio aberto é executado
pelo município, através do Centro de Referência Especializado na Assistência
Social (CREAS), que executa a Liberdade Assistida (LA) e a Prestação de Serviço
à Comunidade (PSC). Ao Estado, cabe executar as medidas socioeducativas em que
há privação de liberdade. Nesse sentido, os três programas existentes em
Mossoró são: Centro de Internação para Adolescentes Infratores (CIAD), que é
que executa a medida de internação provisória, ou seja, o adolescente que
cometeu um ato infracional grave fica privado de liberdade até haver o
julgamento. Já os Centros Educacionais (CEDUCs) funcionam em dois sentidos. O
Ceduc Internação, que é o centro para execução da medida de privação de
liberdade mais gravosa fechada, e o Ceduc Semiliberdade, conhecido como Ceduc
Santa Delmira.
“Então, nós temos todos os
planos de socioeducação. Obviamente, com seus méritos e os deméritos, ou seja,
todas essas entidades do meio aberto municipal e do meio fechado estadual têm
as suas conquistas, mas também têm as suas deficiências. E hoje, a grande
deficiência se a gente for ver a perspectiva do Sinase, em Mossoró, é a falta
de recursos humanos e estrutura física inadequada”, afirma o promotor.
O coordenador regional do
Sinai, Hermes Oliveira, diz que é favorável à questão de repensar a maioridade,
porém lamenta a situação dos Ceducs e frisa ainda que o sistema é muito falho.
Além das questões estruturais, ele afirma que os adolescentes têm acesso a
informações por meio da televisão e do rádio, tomando conhecimento sobre o que
ocorre e para onde estão sendo direcionados outros infratores.
Hermes menciona que, na
prática, o que está previsto no ECA não acontece, e revela que o governo não
oferece a guarda e nem as condições de seguranças necessárias no interior dos
Ceducs.
Ele acredita que o problema
começa pela questão da falta de prioridade do governo em ressocializar os
menores. A figura dos agentes de segurança, que são as pessoas desarmadas, mas
preparadas para garantir a segurança dos educadores, segundo Hermes Oliveira,
também não existe.
Sem segurança, os
profissionais sentem medo de dar aula. Além disso, ele afirma que os cadeados
são quebrados com frequência e que não há divisão de periculosidade entre os
internos. A estrutura, segundo ele, facilita as fugas.
Hermes Oliveira argumenta
ainda que as indicações políticas levam à nomeação de pessoas que não sabem o
papel da instituição.
De acordo com Olegário
Gurgel, o Ministério Público tem ações civis públicas executando o Governo do
Estado para que providencie melhorias, não só em recursos humanos como também
estrutura física. Em função da intervenção do órgão, duas das entidades estão,
parcialmente, interditadas. “O Ceduc Internação atende com 60% de sua
capacidade e o Ciad só consegue atender a 50% de sua capacidade, porque foram
interditados por liminares em ações civis públicas oferecidas pelo Ministério
Público e só trabalham nisso porque só tem condições de trabalhar até aí.
Porque falta, efetivamente, pessoal para trabalhar e faltam locais apropriados
para a execução dessas medidas socioeducativas”.
Para exemplificar as
deficiências no sistema, Liana Aragão informa que, se um adolescente é
apreendido em um ato infracional cometido com violência grave ou ameaça e o
promotor determine sua permanência no CIAD até o julgamento, a medida só é
cumprida se houver vaga no centro. Caso contrário, o adolescente é entregue aos
pais.
Atualmente, o Ciad
disponibiliza apenas dez vagas e não atende somente adolescentes de Mossoró.
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versão impressa.
Fonte: Jornal Gazeta do Oeste
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